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TH Joias: deputado do RJ é preso por ligação com Comando Vermelho em megaoperação

TH Joias: deputado do RJ é preso por ligação com Comando Vermelho em megaoperação
Higor Henrique 0 Comentários 4 setembro 2025

De joalheiro de celebridades a parlamentar algemado no meio de uma megaoperação contra o crime organizado. Foi assim que terminou a terça-feira de 3 de setembro de 2025 para TH Joias, nome pelo qual é conhecido o deputado estadual do Rio de Janeiro Thiego Raimundo dos Santos Silva. Ele foi alvo de mandados expedidos por cortes federal e estadual, numa ação conjunta que mira sua suposta atuação em favor do Comando Vermelho (CV), a maior facção criminosa do estado. As suspeitas incluem tráfico de drogas, lavagem de dinheiro, corrupção e comércio ilegal de armas.

A ofensiva não ocorreu isoladamente: ao mesmo tempo, equipes da Polícia Federal, da Polícia Civil do RJ, do Ministério Público estadual e do Ministério Público Federal cumpriram buscas e prisões em endereços ligados ao parlamentar e a seu entorno. Segundo as investigações, o deputado teria usado o mandato para beneficiar diretamente grupos criminosos, com foco no CV, e também mantido relações financeiras com rivais e dissidências como o Terceiro Comando Puro (TCP) e o Amigo dos Amigos (ADA). O caso acendeu de vez o alerta sobre a infiltração do crime organizado na política fluminense.

Quem é o deputado e como ele chegou à Alerj

Antes de entrar na política, TH construiu fama como joalheiro no universo da música e do esporte. Seu ateliê virou grife entre funkeiros e atletas. Nomes conhecidos do público, como MC Poze do Rodo, L7 e Ludmilla, ostentaram peças dele. No futebol, jogadores da seleção brasileira, como Vinicius Jr. e Neymar, também já exibiram criações assinadas pelo carioca. A vitrine dos holofotes abriu portas, negócios e, depois, pontes para a vida pública.

Na eleição de 2022, ele concorreu a deputado estadual pelo MDB e somou 15.105 votos. Não se elegeu, ficou como segundo suplente. O cenário mudou em 2024: com a morte do deputado Otoni de Paula Pai, em maio do ano anterior, a vaga deveria ser assumida por Rafael Picciani, que preferiu continuar como secretário estadual de Esporte e Lazer. A cadeira, então, sobrou para TH, que tomou posse e chegou a presidir a Comissão de Defesa Civil na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj).

Essa trajetória, que parecia improvável alguns anos atrás, ganhou contornos sombrios com o avanço das investigações. A suspeita central: o uso do mandato como ferramenta para abrir caminho a interesses de facções que dominam territórios, extorquem serviços e lavam dinheiro em diferentes setores da economia fluminense. O MDB anunciou a expulsão de TH do partido logo após a prisão. Quando questionado no passado sobre processos e inquéritos, ele costumava argumentar que não tinha condenação definitiva, era réu primário e mantinha “ficha limpa”. Agora, a situação é outra: ele é alvo de dois inquéritos que caminharam em paralelo, um na esfera estadual e outro na federal, e convergiram na mesma operação.

O que as investigações apontam e o tamanho da operação

O que as investigações apontam e o tamanho da operação

O pacote de crimes sob apuração é pesado: tráfico de drogas, lavagem de dinheiro, corrupção e comércio ilegal de armas. De acordo com os investigadores, o ponto de conexão entre todos eles seria a intermediação política e econômica feita pelo deputado em favor do Comando Vermelho. A Polícia Civil do RJ descreveu o caso como uma prova de que o crime organizado conseguiu se infiltrar na Alerj. Já o Ministério Público estadual afirmou que, ainda que não se possa dizer que o tráfico elegeu o parlamentar, é possível afirmar que o mandato teria sido utilizado para beneficiar organizações criminosas.

O cerco não mirou apenas o gabinete. Ao todo, pelo menos 18 pessoas foram alvo de mandados; até a última atualização, 15 estavam presas. Entre os detidos, além do próprio deputado, estão um assessor dele e um traficante apontado como elo operacional nas comunidades. As buscas alcançaram dependências da Assembleia, endereços residenciais, escritórios e pontos ligados a suspeitos que, na visão dos investigadores, atuavam para manter o fluxo financeiro e logístico da facção.

Um dos alvos do dia foi Alessandro Pitombeira Carracena, ex-secretário estadual e municipal. Ele é investigado por, supostamente, vazar operações policiais a criminosos e pressionar para retirada de efetivos da polícia da região da Gardênia, em Jacarepaguá, área marcada por disputas entre facções. A suspeita de vazamento não é detalhe: quando operações são antecipadas, traficantes esvaziam estoques, mudam rotas e inviabilizam prisões — um prejuízo direto ao trabalho de inteligência.

Por que duas frentes — estadual e federal — ao mesmo tempo? Porque os crimes sob investigação atravessam competências. Lavagem de dinheiro costuma envolver transações interestaduais e internacionais, o que atrai a esfera federal. Tráfico e corrupção local, por sua vez, puxam o braço estadual. Daí a articulação entre PF, Polícia Civil, MPRJ e MPF, que trocaram informações e alinharam diligências para evitar vazamentos e contradições.

Nos bastidores, investigadores costumam olhar para três frentes de prova nesses casos: movimentações financeiras incompatíveis com a renda declarada; conversas em aplicativos, apreendidas com ordem judicial; e a atuação política em favor de interesses específicos, traduzida em agendas, ofícios, mudanças súbitas em rotinas de policiamento e intermediações de contratos. No mercado de luxo, há ainda um ponto sensível: joias de alto valor são facilmente transportáveis, permitem sub ou superfaturamento e, historicamente, constam entre os setores mais vulneráveis à lavagem, como apontam órgãos de controle no Brasil e organismos internacionais de combate à corrupção e ao financiamento do crime.

O raio da operação alcançou também a Alerj, com equipes cumprindo mandados de busca. Essas ações dentro do Legislativo seguem protocolos rígidos e precisam de decisões fundamentadas. A presença de agentes e promotores nas dependências do parlamento é um movimento raro, sinal de que as autoridades consideram que ali poderiam estar documentos, mídias e registros relevantes para o caso.

E a situação política do deputado, o que acontece a partir de agora? Em casos de prisão de parlamentares estaduais, a Assembleia costuma ser notificada e pode deliberar sobre a manutenção da custódia, de acordo com regras previstas na Constituição do estado e no regimento interno, como já ocorreu em episódios anteriores no Rio. A liderança da Casa deve analisar se leva o caso ao plenário. Enquanto isso, o Conselho de Ética pode ser acionado para decidir se abre um processo disciplinar que, em última instância, pode resultar em cassação do mandato — sempre com direito à defesa e etapas formais.

Do lado jurídico, o caminho é conhecido. Após a prisão, o deputado deve passar por audiência de custódia. A defesa pode apresentar pedidos de habeas corpus e questionar a necessidade da preventiva, alegando ausência de risco à investigação, de fuga ou de ameaça à ordem pública. O Ministério Público, por sua vez, pode oferecer denúncia se considerar fechados os requisitos mínimos de materialidade e indícios de autoria. Se a denúncia for aceita, abre-se uma ação penal, com fases de produção de prova, oitiva de testemunhas e manifestação da defesa.

As penas envolvidas, se houver condenação, não são leves. Tráfico de drogas e lavagem de dinheiro, por si só, já carregam penas altas previstas em lei. Corrupção e comércio de armas também. Somadas, podem significar décadas de prisão. Mas até lá há um caminho longo, com recursos, perícias e possibilidade de acordos de colaboração de outros investigados, caso o Ministério Público entenda que isso é útil para ampliar o mapa da organização criminosa.

O caso joga luz sobre um problema recorrente no Rio: o avanço do crime organizado para além dos territórios, buscando influência em gabinetes e secretarias. O Comando Vermelho é a facção mais antiga do estado, com presença em diversas regiões metropolitanas e rotas de tráfico. O TCP e o ADA disputam espaços, o que gera mudanças constantes de alianças e confrontos em bairros como os de Jacarepaguá, onde a Gardênia se tornou um símbolo de instabilidade. Quando a política vira atalho para “blindar” áreas de interesse, toda a rede de serviços públicos — saúde, educação, transporte e segurança — sofre.

Na seara partidária, a decisão do MDB de expulsar o deputado tenta estancar danos à imagem da legenda. Partidos, em geral, se movem rápido nesses casos para marcar posição diante do eleitorado e evitar que a crise contamine alianças locais. Ao mesmo tempo, prefeitos e vereadores de cidades sob influência dessas facções acompanham o desdobramento com atenção: operações desse porte costumam gerar efeito cascata, com novas fases e alvos desdobrados, conforme perícias de celulares e computadores avançam e cruzamentos bancários revelam caminhos do dinheiro.

Há, ainda, um componente simbólico: a acusação de que um parlamentar colocou o mandato a serviço do crime atinge a confiança do eleitor no voto e no próprio parlamento. Em 2017, a Alerj já viveu um terremoto institucional ao lidar com prisões de deputados e decisões polêmicas sobre manutenção de custódias. O histórico pesa e deixa a Casa sob escrutínio redobrado de sociedade, Justiça e imprensa.

Para além do impacto imediato, o caso deverá reacender debates sobre compliance em gabinetes, transparência nas agendas parlamentares e rastreabilidade do dinheiro eleitoral. Ferramentas como auditorias independentes e protocolos mais rígidos para nomeações em cargos de confiança tendem a voltar ao centro da mesa. Também se discute, há anos, uma maior integração entre Coaf, tribunais de contas e corregedorias para identificar sinais de enriquecimento incompatível tão logo eles surjam.

Nos próximos dias, os investigadores devem focar na cadeia financeira: notas fiscais de alto valor, contratos de prestação de serviços, remessas e eventuais laranjas usados para esquentar dinheiro. A experiência mostra que a “contabilidade paralela” deixa rastros, principalmente quando cresce a exposição pública de quem a opera. Do outro lado, a defesa tentará desqualificar provas, apontar fragilidades e contradições, e sugerir que parte da movimentação decorre da própria atividade empresarial no ramo do luxo.

Enquanto isso, a Alerj fica com um problema político e prático para resolver: a liderança da Comissão de Defesa Civil e a rotina do mandato interrompido por uma prisão que mexe com a Casa como um todo. Nos corredores, o sentimento é de alerta. Há uma diferença enorme entre palanque e gabinete — e as investigações tratam de expor, na marra, os limites entre influência legítima e cooptação criminosa.